sexta-feira, 30 de abril de 2010

Meu guarda-roupa é soberano dentro do quarto. Recebe e guarda. De madeira escura, desenho sóbrio, dá dignidade ao quarto. Em cima dele duas malas, que são guarda-roupas portáteis em caso de viagem. Se move com dificuldade o guarda- roupa. Suas portas devem ser abertas com delicadeza, caso contrário ele emite um ruído constrangedor.
Herdei de minha avó esse guarda-roupa. Antes de ser dela ele havia pertencido à sua irmã, minha tia avó, que não sei se por escolha ou por destino foi viver em outro país. Quantas pessoas então já devem ter compartilhado com este móvel tão estável suas vidas inteiras, suas faces descobertas, posto que no quarto ninguém usa máscara.Ele assiste a tudo em silêncio. Esteve sempre presente. Ele sabe muito. Acompanhou cada capítulo da vida no quarto.
Um guarda-roupa dura muito tempo. Durou mais que minha avó. Ela também permaneceu imóvel nos últimos anos de sua vida. Da cama para a cadeira de rodas, da cadeira de rodas para a cama. Ela que havia sido sempre tão ativa, imóvel como um guarda-roupa. E não guardava nada, nenhuma memória mais, nenhuma palavra. Apenas um olhar vazio, do nada para o nada. Ela não funcionava mais, não tinha mais utilidade. Ele permanece imperturbável. Ela já se foi. E a quantos ainda ele sobreviverá?
Ele sabe muito de mim. Ele assistiu ao suicídio da minha mãe, às últimas palavras do meu pai. E sempre mudo. O silêncio dele é uma violência. Eu tenho raiva desse guarda-roupa que não teve sequer uma gripe. Eu tenho inveja da sua invencibilidade. A convivência entre nós começa a ficar impossível. Ele que vá assombrar outro. Eu quero que esse guarda-roupa apodreça. Apodreça sozinho na chuva. Quero ver se ele é assim tão indiferente ao tempo. Eu quero me livrar dos objetos que tem passado. Eu quero ter uma vida toda nova.
Fico arquitetando um meio de me livrar do guarda-roupa. Quando meu marido chega do trabalho tento introduzir o assunto. Ele me diz que está cansado, que precisa de um banho. Ele sempre acha que minhas necessidades são inventadas. Durante o jantar volto ao assunto. Falo da idéia de doar o guarda-roupa à alguma instituição. Invento que quero um móvel mais leve, que ocupe menos espaço. Digo que até já consultei uma transportadora e que preciso de um cheque para pagar os serviços. Ele resiste, diz que o móvel vale uma fortuna, que é herança de família, etc. Por fim, assente à contra gosto, fazendo um discurso sobre os meus caprichos. Pega o talão de cheques, assina uma folha em branco, a joga em cima da mesa e sai.
De tanta excitação durmo mal esta noite. No outro dia logo cedo resolvo todas as coisas práticas. Encontro uma instituição. Ligo para a transportadora. Ele, o guarda-roupa, permanece impassível até o último momento. Quando ele já está fora da minha casa, respiro aliviada. Me deito no espaço vazio deixado por ele. Durmo no meio da tarde, no chão do quarto.

Janjah

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quem estreirá?

Então está criado. Achei que seria um bicho de sete cabeças, mas eu já tinha uma conta inativa e foi só colocar o nosso título. Bem propício para os textos que aqui virão.